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Infância roubada

No CAPSad em Chapecó são realizados 250 atendimentos por mês. O trabalho multiprofissional contribui para a recuperação das crianças.

No CAPSad em Chapecó são realizados 250 atendimentos por mês. O trabalho multiprofissional contribui para a recuperação das crianças.

Medo. Insegurança. Descontrole. Agressividade e fobia. Socialmente estes sintomas podem ser aceitos com facilidade para um adulto. Na infância entende-se que há lugar para a paz, a imaginação e o sossego, onde as brincadeiras dão o tom para o crescimento. Entretanto, o entendimento de hipótese de doença mental na infância é maior do que a capacidade de divulgação e percorre um longo processo para a conscientização, tratamento e aceitação. Aos nove anos a escola de Daiana Rosetto era um lugar de segurança a aprendizado, até que uma aula marcou e determinou rumos diferentes para a sua vida. Depois de uma explicação da professora sobre o céu e o inferno, algo mudou no comportamento de Daiana.

Desde então, a lembrança boa da escola transformou-se em uma fobia, um medo recorrente que fez com que a menina perde-se todo um ano letivo e inicia-se um processo de transtorno de comportamento. O pai, Adir Rossetto, acompanhou desde o início a situação da filha e considera que a escola estava despreparada para lidar com um comportamento e interpretá-lo além da “birra”, como era comumente taxado nos corredores e salas da direção da escola. Hoje a filha tem 14 anos, e trata-se no CAPSi de Chapecó. Assim como a escola, o pai confessa que a família de Daiana também demorou a entender que se tratava de uma hipótese de doença mental e como tal exigia um tratamento adequado.

“Um dia, quando minha filha precisou mudar de sala e diretora, disse que se ela não parasse de chorar quem ia dar uma surra nela era a própria diretora”, relata Adir.

Adir mostra com orgulho a foto da filha. Ele conta com alegria que a filha é uma ótima aluna e não abre mão de fazer artesanato e dar aula de catequese.

Adir mostra com orgulho a foto da filha. Ele conta com alegria que a filha é uma ótima aluna e não abre mão de fazer artesanato e dar aula de catequese.

A maioria dos pais está longe de imaginar que as crianças também possam sofrer de uma doença mental. Porém, segundo especialistas, uma em cada vinte crianças tem algum tipo de transtorno mental. Segundo a Coordenadora do CAPSi de Chapecó, a psicóloga Cassíntia Gasparetto, por mês são atendidos em média 250 pacientes. Os diagnósticos mais comuns em Chapecó são os transtornos comportamentais, associados ao comportamento inadequado, agressividade, descontrole do impulso, brigas, em segundo lugar os transtornos relacionados à primeira infância. A depressão ocupa o terceiro lugar, e em quarto lugar pacientes com dependência química.

Segundo Cassíntia a dependência química deveria estar em primeiro lugar analisando a atual situação do município de Chapecó, porém, é uma demanda muito flutuante, que não chega até o CAPS. “É uma demanda que não tem adesão ao tratamento, eles não aceitam ser tratados, mas se viessem todos que necessitam deveríamos ter um CAPsi só para dependentes químicos infanto-juvenis. O tratamento acontece quando há consciência e apoio da família, o que raramente acontece”, destaca.

Em cada desenho um passo a mais para a recuperação dessas crianças. Os trabalhos manuais, terapias em grupo e conversas com psicólogos complementam as atividades médicas no CAPSi.

Em cada desenho um passo a mais para a recuperação dessas crianças. Os trabalhos manuais, terapias em grupo e conversas com psicólogos complementam as atividades médicas no CAPSi.

Na infância e adolescência o diagnóstico é tratado como uma hipótese, já que os especialistas acreditam que toda a criança tem a capacidade de se desenvolver bem, de ser um ser humano saudável e de se socializar de forma harmoniosa. Contudo, a estrutura familiar é um fator determinante para um crescimento saudável, “eles precisam receber os ensinamentos, visualizar os exemplos”, destaca a psicóloga Cassíntia. A problemática agrava-se na medida em que cada vez mais as crianças são criadas em meio à briga, pais alcoólatras, sem afeto ou limites.

“São raros os casos em que encontramos famílias estruturadas, com definições de papéis, onde a família se compromete, reconhece o distúrbio, e isso em todos os casos, isso se acentua na dependência química”, Cassíntia Gazarotto, psicóloga e coordenadora do CAPSi

Cassíntia destaca que este é o contexto da maioria das crianças que chegam ao CAPSi de Chapecó. “A gente compreende que as crianças e os adolescentes trazem sintomas do contexto familiar”, explica a psicóloga. Ela destaca que no caso da dependência química isso se intensifica, são raros os casos em que as crianças têm uma psicose grave sem ligação com um contexto familiar desestruturado. “São raros os casos em que encontramos famílias estruturadas, com definições de papéis, onde a família se compromete, reconhece o distúrbio, e isso em todos os casos, isso se acentua na dependência química”, comenta.

A imagem das crianças são preservadas, mas suas histórias são exemplo.

A imagem das crianças são preservadas, mas suas histórias são exemplo.

Noêmia Brizola da Rosa fala da neta de 15 anos com carinho. A menina sempre morou com na casa dos avós maternos. Naturalmente a figura da vó passou a ser a de mãe, hoje Noêmia já está acostumada a ser chamada assim pela neta. Amanda nunca conheceu o pai, e mãe verdadeira, filha de Noêmia, vive em outra casa com outros filhos e um marido que não aceita bem a convivência com a enteada. A desestrutura familiar nesse caso pode ter sido um agravante para o quadro de hipótese de transtorno comportamental e depressão apresentados pela menina desde os oito anos, quando as brigas constantes na escola denunciaram uma solidão que era resultado de uma doença. Até chegar ao atendimento no CAPSi, Noêmia tentou levar Amanda ao pediatra quando percebeu que o comportamento dela não estava de acordo com o que ela entendia por normalidade.

Foi difícil entender, difícil de aceitar e até hoje complicado para lidar. O transtorno de Amanda expressa por muitas vezes o contexto da falta de amor materno. Levou a menina a se isolar e hoje está envolvida em um namoro, quem nem a família nem os profissionais do CAPSi podem garantir que a experiência seja positiva para a menina.

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Arquivado em Série de reportagem | Saúde Mental